O ùltimo adeus ao mestre do terror José Mojica Marins, o eterno "Zé do Caixão" e sua impor
- Diego Cosac
- 20 de fev. de 2020
- 5 min de leitura

A perda de José Mojica Marins, que morreu nesta quarta-feira (19) aos 83 anos, representa significativamente o encerramento de um ciclo importante para o cinema brasileiro além de marcar a ida de um cineasta que escreveu seu nome na história de nosso cinema, deixando uma obra extensa com mais de 40 títulos como diretor e mais de 60 filmes como ator, se destacando em um gênero que me identifico profundamente e que nunca havia sido devidamente explorado no Brasil antes dele; o terror. Foi um pioneiro e decano do terror nacional, também sendo um percursor do que chamamos de “cinema marginal”, influenciando uma legião de outros cineastas e o terror hoje feito no Brasil que ganhou uma página inteira da mais prestigiosa e tradicional publicação de cinema do mundo, a francesa Cahiers du Cinéma, contando com dezenas de títulos importantes como “Animal Cordial” e “Fábulas Negras”. Embora seus filmes sejam considerados trash, fazendo ele um terror mais gore, típico de “filmes B”, suas produções são reverenciadas internacionalmente o tornando hoje em dia um cineasta cult, tendo arrebatado prêmios e participado de mostras internacionais, sendo admirado por nomes como Tim Burton e Roger Corman pela rebeldia e independência que conferia a seus projetos. Mojica Marins desbravou o terror em uma época onde o que fazia sucesso eram as chanchadas. Foi decisivo para uma certa diversificação de gêneros importante para a manutenção de qualquer cinema ao redor do mundo. Quanto mais gêneros, mais possibilidades. Além de criar um personagem que entrou para o folclore nacional e para o imaginário popular comum do brasileiro: Zé do Caixão. Mojica Marins de fato se aventurou em diversos gêneros até chegar no terror que o celebrizaria. Fez faroestes, dramas, aventura, inclusive pornochanchadas tendo o cineasta ficado conhecido pelo excesso de nudez e violência realista em suas produções. Nascido em uma família humilde de circo, começou sua trajetória nos anos 50, com filmes experimentais, cheios de improvisos, época que criou uma escola de atores. Sendo clara uma pegada neo-realista imposta a filmes com problemas orçamentários. Em “A Sina do Aventureiro”, Mojica Marins nos entrega um “western feijoada”, nos termos de Rodrigo Pereira, uma alusão aos “westerns spaghettis” – filmes de bang bang feitos nos estúdios da Cinecittà na Itália. Mas foi nos anos 60 que ganhou reconhecimento pelo “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”. Nota-se uma inegável influência da onda de terror splatter, com títulos como “A Noite dos Mortos Vivos” de George A. Romero, que assolou os EUA naquela década, em seus filmes. Mojica soube aproveitar esse momento. Nesse longa foi a primeira vez que o personagem Zé do Caixão apareceu. Um feito notável tendo em vista que Mojica criou seu famoso personagem sem se basear em nenhum mito do horror conhecido no mundo. Sendo 100% original e made in Brazil. Zé do Caixão é um agente funerário, ora coveiro, cruel e sádico, desprovido de valores morais que não mede esforços para alcançar seus objetivos, sendo o principal em se eternizar através de um herdeiro, mesmo que para isso precise inclusive matar e estuprar. Mojica Marins interpretou o personagem ele mesmo pela falta de um ator que se disponibilizasse a fazê-lo, pois não havia nenhum que se submetesse à caracterização do personagem. Soma-se isso ao fato de que um dos métodos utilizados por Mojica Marins para testar seus atores era cobrir seus corpos de insetos de verdade e vivos. Obviamente a composição estética e visual do personagem, as vestes de Zé do Caixão, foram inspiradas no personagem Drácula, eternizado no cinema pelo ator Bela Lugosi na produção clássica da Universal dos anos 30. “Drácula” já foi o livro mais vendido do mundo depois da Bíblia sendo um dos personagens mais icônicos, não somente da literatura, mas do cinema também. Tendo as unhas protuberantes de Zé do Caixão sido baseadas nas garras do vampiro Nosferatu, um dos personagens mais destacados do expressionismo alemão. Curiosamente Nosferatu também é baseado em Drácula, tendo recebido esse nome devido ao fato de que o diretor, F.W. Murnau, não conseguiu os direitos para filmar o clássico romance de Bram Stoker com seus herdeiros, alterando seu nome então para “Nosferatu”. Mojica adaptou as vestes para seu personagem lhe dando certa brasilidade. O cineasta contou que criou Zé do Caixão a partir de um pesadelo que teve em que um vulto o levava para o cemitério e de volta para sua sepultura. Segundo o próprio José Mojica Marins, o nome Zé do Caixão veio de uma lenda de um ser que viveu há milhões de anos no planeta Terra tendo se transformado em luz e depois de anos voltado à Terra. Já o inferno que Mojica Marins concebe em ‘Esta Noite Encarnarei No Teu Cadáver’ (1967), é claramente inspirado no inferno de Dante Alighieri em “A Divina Comédia”, livro do século XIV. Tendo Mojica Marins se baseado nas representações e ilustrações de variados pintores como Sandro Botticelli e Salvador Dalí sobre o tema. Para tal, o filme em preto em branco se torna colorido nas sequências do inferno em uma cacofonia de sons, luzes, fumaças e cenários toscamente improvisados. As produções eram tão precárias que por vezes era comum acontecer de algum figurante dormir dentro de um dos caixões do cenário economizando assim a sua volta para casa. Nessa altura, no entanto, o diretor então já gozava de certo prestígio, recebendo jovens diretores que iam acompanhar seus métodos de produção. Mojica Marins nunca estudou cinema formalmente, tendo seus ângulos de câmera, planos com câmera móvel, quebra da quarta parede, coreografias confusas e cenários mal iluminados, causado estranhamento na plateia em seus primeiros filmes, sendo considerado inovador, mas na realidade tendo isso ocorrido pelo simples fato do cineasta não possuir conhecimento algum da linguagem do cinema clássico. No início de sua carreira, foi acusado por jornais da época de angariar dinheiro para financiar seus projetos sem depois devolvê-lo para os investidores. Além de prometer papéis para alunos de sua escola de atores em grandes estreias que nunca ocorriam. A única vez que Mojica gozou de um orçamento relativamente grande e caro foi em 2008 ao filmar ‘A Encarnação do Demônio’. Após mais de quarenta anos, o último filme da trilogia de Zé do Caixão foi lançado com muito êxito e finalmente com efeitos especiais mais elaborados e megalomaníacos. Mojica teve a sua disposição um orçamento de R$ 2 milhões — curiosamente um valor que não conseguiu levantar em sua carreira inteira de mais de meio século pois a Embrafilme absurdamente não financiava terror sendo este renegado ao cinema marginal, cine guerrilha. Uma pena que o personagem Zé do Caixão tenha começado a se confundir com o próprio autor, lhe dando praticamente toda sua fama. E mais lamentável ainda que o personagem tenha tomado formas cômicas mais para o final aparecendo em programas televisivos populares, como de Silvio Santos, por uma questão de dificuldades meramente financeiras, se distanciando do objetivo inicial de causar medo. Mesmo assim, a importância de Mojica Marins, como cineasta (infelizmente mais reconhecido no exterior que no Brasil) e de seu personagem brasuca Zé do Caixão é indiscutível para a cultura nacional e para o gênero de terror a nível mundial. Deixa um enorme legado inclusive para mim, amante inveterado do gênero que tive o prazer de conhecê-lo e aprender com ele em uma palestra/workshop que o mestre do terror certa vez fez. Me chamou atenção o português mal falado por Mojica que cometia alguns erros básicos, mas sua genialidade a flor da pele como homem da sétima arte. Não era erudito, mas dominava seu meio e os meios. Exatamente como meu avô nos negócios, que não possuía grande escolaridade acadêmica mas que como empresário superou qualquer MBA em Havard, se tronando genial. Esse tipo de figura me encanta mais ainda que um grande intelectual!
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