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Nosferatu e o Expressionismo Alemão

  • Diego Cosac
  • 18 de jun. de 2018
  • 7 min de leitura


Uma das obras mais importantes e fascinantes do cinema, o filme Nosferatu, de F.W Murnau, um excêntrico amante das artes que viu no cinema uma forma de se expressar e dominou como poucos a arte de se fazer cinema, engloba toda a peculiar estética sombria de um dos movimentos mais importantes da História do cinema: o Expressionismo Alemão! Esta é minha fase preferida do cinema, o aspecto funesto e até mórbido dos filmes desse movimento sempre ligados ao sobrenatural e geralmente a filmes de horror, me causam fascínio desde que comecei a estudar e me interessar por cinema na minha pré-adolescência. A estética dos filmes de vampiros e de outros filmes de horror, meu gênero favorito, de cineastas muito influenciados por esse movimento, como o famigerado Tim Burton, sempre foram motivo de fascínio para um jovem cinéfilo aspirante a cineasta como eu. Mesmo sendo filmes de uma época muito distante da minha, feitos em preto e branco e mudos, diversas obras primas do Expressionismo Alemão entraram para lista de meus filmes favoritos como Metrópolis de Fritz Lang, O Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiene e o próprio Nosferatu de Murnau. Essa fase do cinema foi muito influenciada pelo contexto da Primeira Guerra Mundial, onde buscou expressar sentimentos ocultos da alma humana, como o terror, o desespero e o fascínio pelo sombrio. Os expressionistas dizem que a obra de arte é reflexo direto do mundo interior do artista. De acordo com o famoso André Bretom: “O Expressionismo não vê, tem visões”. Em Nosferatu, tudo tem seu início com uma disputa judicial de Murnau, um dos maiores cineastas de todos os tempos que filmou outras obras primas como Aurora muito influenciado pelo pintor Caspar David Friedrich, com os herdeiros do autor do romance Bram Stoker pelos direitos de filmar Drácula, que já foi o livro mais vendido do mundo depois da Bíblia e fascina até hoje gerações e gerações contando a estória de um misterioso aristocrata que procurando um corretor de imóveis para um negócio, vive em um longínquo e inóspito lugar, a Transilvânia, na Romênia, falando do mundo diegético já que Bram Stoker se inspirou em uma figura histórica para criar o Drácula. Trata-se do príncipe Vlad Dracul, que viveu naquela região séculos atrás. Ele era conhecido em sua época como “O Empalador” por ter o sórdido costume de empalar seus inimigos e deixá-los “espetados” em locais públicos para exibição como exemplo para futuros opositores criando pavor e fazendo dele muito conhecido e temido naquela região. Uma figura perfeita para se criar o vampiro mais famoso da História! Voltando para o filme, Murnau não conseguiu o direito para filmar Drácula com os herdeiros de Stoker e resolveu filmar da mesma maneira simplesmente mudando o título de seu filme para Nosferatu. O filme virou um marco atemporal do cinema mundial sendo muito reverenciado até hoje ganhando até uma refilmagem dirigida por Werner Herzog muitos anos depois e um filme de título Drácula de Bram Stoker dirigido por Francis Ford Copolla com grande elenco com nomes como Gary Oldman no papel de Drácula, Anthony Hopkins como Van Helsing e ainda Keanu Reeves e Winona Ryder. Essa versão é belíssima, com cenários e figurinos luxuosos e uma fotografia de tirar o fôlego. Realmente um filme deslumbrante. Dentro de um movimento que teve seu marco inicial com o bizarro filme O Gabinete do Doutor Caligari, o seu conceito revolucionário surpreendeu e atraiu o público intelectual e a curiosidade gerada em torno dele ajudou a reabrir o mercado externo cinematográfico que estava fechado para a Alemanha desde o começo da guerra recolocando a Alemanha do pós primeira guerra no circuito cultural mundial, o que chamamos de movimento expressionista no cinema advém do movimento homônimo na arte moderna muito popular naquele período. Intitula-se expressionista, de acordo com o historiador da arte Roger Cardinal, as experiências emocionais do artista sob formas excepcionalmente vigorosas, “convida o espectador a experimentar um contato direto com o sentimento gerador da obra”. Influenciados pelo ambiente europeu da segunda metade do século XIX e a cultura alemã do Segundo Império, chamada de modernismo alemão, era representado pelas idéias de Nietzche na filosofia, de Arnold Schöenberg na música e por pensadores como Sigmund Freud e Albert Einstein na primeira década do século XX. A poesia, a dramaturgia e a pintura seriam afetadas pelos princípios expressionistas. O termo "expressionismo" se refere ao trabalho de um grupo de pintores que fazia um uso extático da cor e a distorção emotiva da forma, ressaltando a projeção das experiências interiores do artista no espectador. Na pintura o resultado direto da libertação da cor e da forma culminou em um estilo conhecido como Fauvismo, liderado por Henri Matisse (1869-1954) nos primeiros anos do século XX. Vincent Van Gogh e Edvard Munch se estabeleceram como os grandes influenciadores do movimento expressionista com obras como “O Grito” em que a expressividade das cores e as formas eram particularmente trabalhadas. O termo expressionismo é atribuído ao crítico alemão Herwarth Walden, editor da revista Der Sturm e dono de uma galeria com mesmo nome, para se opor ao impressionismo. O sucesso do termo fez com que ele fosse aplicado ainda à dança, teatro e ao cinema. No cinema a Alemanha teve um desenvolvimento mais lento que outros países europeus, como a França, mas lançou algumas das bases estéticas para o cinema do pós guerra. Uma obra importante foi Homunculus, de Otto Rippert, uma série de seis filmes feitos entre 1916 e 1917 e ali já se via diversos elementos que seriam sucesso no cinema expressionista como a ligação com o gótico medieval, com o sobrenatural e sombra e luzes muito dramáticas. De acordo com Maria de Fátima Augusto: “A escola alemã, nascida também nos anos 20, rejeitava o realismo, o naturalismo e o impressionismo, baseando-se, principalmente, na elaboração de um espaço dramático construído artificialmente por um trabalho cenográfico que procura diferentes efeitos através da iluminação. O expressionismo alemão evocava a vida não orgânica das coisas, uma vida que ignorava a moderação e o limite, rompendo com o princípio orgânico instaurado por Griffith. A acentuação dos efeitos dramáticos será obtida também através das variações dos ângulos de filmagem, uma vez que os alemães tiravam as câmeras do tripé para dar mais movimento e dinamismo à imagem. Luz e sombras entram em intenso combate e comportam relações concretas de contraste ou de mistura”. Inspirada principalmente pelas artes plásticas o expressionismo no cinema tem uma cinematografia autoral e sofisticada cuja técnica e a estética foram inovadoras para época com narrativa, cenografia e décor, fotografia, mise en scene e avanços técnicos únicos. Mesmo assim delimitar uma cinematografia “expressionista” é demasiadamente difícil, pois ela não se baseia em padrões estéticos rigorosos e sim é baseada em “uma credibilidade de sua mais popular vanguarda artística usada pelos produtores alemães”. Atuações exageradas e teatralizadas com interpretações caricatas, maquilagem pesadas e figurinos estilizados, luz causando sombras de maneira dramática, arquitetura peculiar, organização em cena especificas criaram uma estética muito particular causando uma alteração plástica da realidade intensificando o drama “numa espécie de deformação expressiva” como define o autor Fernando Mascarello em seu livro História do Cinema Mundial. Os cenários do expressionismo se aproximavam do estilo gótico como vemos em O Golem, de Paul Wegner, com cenários feitos em estúdios que recriavam as ruas e a cidade de Praga. Porém, quem mais dominou essa arte foi Fritz Lang com A Morte Cansada que remete aos contos de fadas da idade Média. Em Nosferatu, o diretor de arte Albin Grau e o fotógrafo Fritz Arno Wagner explicitaram a expressividade nesta película associando-a a inspiração na pintura romântica onde se produziu atmosferas de ordem visual fantásticas com fotografia baseada em filmes escandinavos. Fugindo dos padrões, o filme se utilizou de artifícios como o uso de filmes negativos e filmagem em locações e não em estúdio como o costume em outras películas do mesmo movimento. Sua predileção por um mundo imaginário é um fator importante, pois chegou a ser dito que “a força do filme alemão se deve ao drama fantástico”. A obra é considerada uma representação fiel do cinema da República de Weimar. Realmente memorável mesmo nos filmes deste período foram seus vilões, personagens que pareciam ter saído de uma mente sombria narrando contos fantásticos como o médico louco Caligari e o próprio vampiro de aparência repulsiva e pestilenta Nosferatu. “Procurando explicar essa recorrência das obsessões malévolas Eisner observa que estas coincidiam com a tradição romântica do desdobramento demoníaco.” Nosferatu é a primeira versão da clássica estória do Conde Drácula nos cinemas. O conceito popular de que a luz do sol mata os vampiros é baseado nesta estória. Nosferatu foi o primeiro filme do cinema a mostrar um vampiro morrendo desta forma. Alto, esguio, esquálido, com orelhas, unhas e dentes pontiagudos, Murnau consegue transfigurar o horror em seu personagem Nosferatu sendo ele uma personificação do horror sendo a própria representação e expressão imagética do mal e do estranhamento sugerida pela imagem mítica do vampiro. O filme tem uma montagem sensível e atmosférica com constantes movimentos de câmera e de personagens dentro de uma cena e contrastes dramáticos através do constante choque entre planos. Já a montagem cria uma espécie de confusão espaço-temporal. A película é dividida em atos e logo no seu início um texto escrito situa o espectador na narrativa, um tom sépia amarelado mostra a alegria e harmonia em que viviam o casal até que Hutter é enviado para fazer uma viagem de negócios com o Conde Orlock nos longínquos Montes Cárpatos na Transilvânia onde já é dito que é terra dos ladrões e dos fantasmas! A fotografia então alterna para uma cor mais fria, um azul claro, demarcando exteriores e interiores. Hutter é avisado para não rodar a floresta de noite pois há lobisomens. Então Hutter resolve ficar em uma pensão e pega um livro que diz que em Belials apareceu pela primeira vez o vampiro Nosferatu que se alimentava de sangue humano. Vampiros habitavam tumbas, caixões e espalhavam sua maldição enchendo os campos com a Morte Negra. Hutter ri e desdenha do livro e segue viagem com a fotografia já em outra cor. Os condutores da carruagem se negam a prosseguir e Hutter segue sozinho. Então a famosa cena da carruagem bizarra e fantasmagórica do Conde Orloff aparece para pegá-lo e se vê o uso de negativos para fazer o “efeito especial”. E a figura grotesca do esquálido conde aparece pela primeira vez! Entra o segundo ato e a película segue dividida em atos igualmente funestos e fantásticos levando o espectador a um delírio soturno e amedrontador contínuo até seu final. O filme é, na minha opinião, uma obra prima do Expressionismo Alemão e o grande pioneiro entre os diversos filmes de vampiros que viriam e seriam influenciados por ele posteriormente como a própria refilmagem de Nosferatu feita por Herzog, Drácula de Copolla, A Sombra do Vampiro de E. Elias Merhige, Entrevista com o Vampiro de Neil Jordan e a saga de filmes Anjos da Noite. Um marco!

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