Em Cartaz: Cítica de Um Dia de Chuva em Nova York
- Diego Cosac
- 24 de dez. de 2019
- 5 min de leitura
Um filme que desce doce e suave, a palavra inglesa "cosy" o define perfeitamente. Um Dia de Chuva em Nova York confirma o que eu venho afirmando há muitos e muitos anos: Woody Allen é um grande diretor sim, indiscutivelmente, mas é um ator terrivelmente chato que interpreta um mesmo personagem igualmente insuportável, neurótico e irritante, pois todo filme de Allen em que ele não aparece é sensacional e evidencia seu garbo na direção. Nesse filme não é diferente, Allen se limita à direção e isso salva o filme. Da mesma forma que aconteceu com outros títulos como Meia Noite em Paris e Vicky Cristina Barcelona. Nessa produção o jovem Gatsby leva sua adorável namorada para um fim de semana inesquecível em Nova York. Tudo planejado, ambos herdeiros de ricas famílias americanas, muito embora ele um filho do cimento, asfalto e do concreto, produto da selva de pedra chamada Nova York e ela uma abastada caipirinha do interior.
A ideia é seguir o seu roteiro baseado em seus mais experientes gostos, como um bom piano bar de hotel. As peripécias se iniciam e tudo parece sair do lugar. A moça quer se dedicar ao jornal universitário em que trabalha como repórter entrevistando um consagrado diretor de cinema. A partir de então adentramos em um looping de grandes experiências e descobertas. Tanto para ele, quanto para ela. O elenco conta com famosos como o ator Jude Law e a pop star Selena Gomez. Como de praxe, Allen reúne elementos bastante pessoais e, por que não dizer, biográficos? A paixão pelo jazz, pelo cinema, por Nova York, pela elite (financeira e intelectual)... Está tudo lá! A mão de Allen na direção conduz o longa-metragem deliciosamente através de hotspots da Grande Maçã. O fato de ser filmado em locações deixa o filme ainda mais charmoso nos fazendo adentrar em um tour pela mágica cidade que nunca dorme. Tudo em baixo de chuva. Existe algo mais romântico do que isso? Romantismo é um ponto alto do filme. Apenas três cidades no mundo de fato me causam frisson ao aterrissar no aeroporto, meu coração acelera, um sentimento de pertencimento toma conta do meu ser, noção de estar no centro do mundo, onde as coisas realmente acontecem... Essas cidades são Nova York, Paris e Londres. Em Nova York costumo ouvir no fone New York, New York com Frank Sinatra obviamente atuando como uma trilha sonora da vida real. Em Paris me entrego ao charme e talento de Dalida. Em Londres costumo ouvir um bom rock and roll, Freddie Mercury. Nada mais típico ou menos clichê definem tais metrópoles. No filme é citado os maiores hotéis de Nova York; o Carlyle, o Plaza, o Waldorf e o Pierre é claro. É justamente em uma bela suíte de frente para o Central Park no Pierre que o casal de protagonistas se hospeda em busca de um fim de semana de prazeres e bom gosto. O melhor que o dinheiro tem a oferecer. Outras maravilhas da cidade também estão lá, o Metropolitan, a Quinta Avenida, o piano Bar do Carlyle... Encanto cosmopolita, com toque de caos, o monóxido de carbono e as buzinas incessantes inerentes a qualquer grande metrópole, mas que em Nova York compõe o cenário como em nenhum outro lugar do mundo. Isso inclusive é citado por um dos personagens em uma das cenas finais do filme. Allen sabe explorar tais nuances como ninguém. Confesso que comecei o filme com ressalvas, já estava prestes a dizer que ele havia perdido a mão. Algumas piadas sem sal me levaram à tal preconceito. Mas, no entanto, com 15 minutos de película começada, passei a me dar conta de que Allen continua em ótima forma. O filme terminou comigo vibrando. Extasiado com esse tipo de cinema nostálgico que infelizmente não se vê e faz mais. Um que de poesia misturando diálogos afiados, uma fotografia melancólica, o charme burguês, retrô e levemente intelectual de Timothée Chalamet, lembrando o personagem mais ninfeto e sexualizado que o consagrou de vez no filme "Me Chame Pelo Seu Nome". Chalamet inclusive aparece lindamente cantando uma música de Billie Holliday "Everithing Happends To Me". O conjunto da obra me remeteu à grandes clássicos do cinema. Claro que é proposital, afinal o filme é repleto de alusões e referências ao próprio cinema em uma quase metalinguagem. Os personagens imaginam situações e soluções cinematográficas e cênicas o tempo inteiro. O filme também é eficiente em mostrar o poder e influência dos cineastas e das estrelas de cinema. Seria uma auto afirmação de Woody Allen ou apenas uma confissão de um grande profissional da área? A frase de um personagem resume tudo: "não deixaria minha namorada sozinha com um grande figurão de Hollywood". E Allen deixa explicito como a magia do cinema continua a encantar o mundo. O roteiro é fluído mostrando uma sucessão de acontecimentos desencadeando desentendimentos. A crise existencial do garoto Gatsby revela um drama muito comum entre jovens herdeiros milionários. Até que ponto se vai com ideologia renegando o dinheiro de família para se viver um sonho romantizado e até que ponto só se pode de fato sonhar ideologicamente com a muito confortável garantia do dinheiro de família por trás? Gatsby diz que está cansado de discutir entre Falcon ou Gulfstream... Dois dos melhores jatos executivos do mundo. Ora, só se pode cansar de algo assim sim quando algo assim realmente e corriqueiramente faz parte da sua vida. E há no fundo um certo charme nisso. O pobre menino rico. O fato de não se deixar levar pelo que deslumbraria 99% da população, pois se está muito acostumado com aquilo. Não é preciso dizer que a trilha sonora é igualmente fascinante e esse é um outro atributo do cineasta. Amante, connaisseur e divulgador do bom jazz. Não esperava menos dele. A cena em que a mãe do personagem principal revela para ele sua verdadeira identidade e seu passado obscuro, em pleno black tie, foi para mim a melhor, mais surpreendente e impactante do filme. Como não aplaudir uma mulher daquelas? Elegantemente interpretada por Cherry Jones. Se não tem, se cria. Sem spoiler, mas ela revela ao filho como criou um mundo e estilo de vida de bom gosto a sua volta, mesmo que as duras penas. E o filho que vivia em constante conflito com a mãe, passa pela primeira vez a admirá-la e sente certa compaixão por sua progenitora. Ao que me consta, é a primeira vez que os dois tem uma conversa realmente franca e despida das vaidades e futilidades das altas rodas. Acontece uma linda e emocionante aproximação ali. A mensagem do filme é batida mas não poderia ser mais atual e válida, o que é preciso para se viver um grande amor? Abdicar de que? Conquistar o quê? A derradeira cena no Central Park nos traz a resposta. E realmente não poderia ter melhor cenário do que Nova York em um dia de chuva. Bravo. Altamente recomendado!
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