Em Cartaz: Crítica de Judy-Muito Além do Arco-Íris
- Diego Cosac
- 6 de fev. de 2020
- 5 min de leitura
Desnecessário! Assim definiria “Judy- Muito Além do Arco-Íris”, que deveria ter como título adicional “O Crepúsculo da Deusa”, em alusão ao clássico noir de Billy Wilder “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard), que narra a decadência de uma grande estrela fictícia do cinema antigo Norma Desmond (Glória Swanson), ao invés de “Muito Além dos Arco-Íris”. A diferença é que o filme de Wilder é uma ficção e é brilhante, o que não pode se dizer de “Judy”, que não vai sequer além dos clichês, que dirá do arco-íris, fazendo, por sua vez, alusão à música tema do filme mais famoso de sua protagonista “O Mágico de Oz”. “Judy” visa retratar o decadentismo do fim de uma das maiores estrelas do final da era de ouro de Hollywood, Judy Garland. O longa se concentra em mostra-la durante sua derradeira turnê no Reino Unido em 1968. Desnecessário expor toda a angústia e tristeza pelo qual a show woman acabou por vivenciar em seus últimos dias. Tanto para aqueles que ainda se recordam de Judy, e tem em suas mentes registrada a imagem de Dorothy, a menina doce de “O Mágico de Oz”, quanto para aqueles de novas gerações que não tem ideia de quem ela foi e para quais Judy foi agora apresentada. Um longa com esse teor só vem a contribuir para a formação de uma memória negativa em uma vida cheia de altos e baixos, mas com muitos louros. Recortar um trecho de sua extensa biografia, quando se trata da riqueza do que viveu e não da vida biológica, já que Judy morreu precocemente aos 47 anos, situando o espectador na pior parte é reducionista e apelativo ao extremo. Tira-se algo grandioso de contexto e sublinha-se a parte mais nebulosa extraindo o lado mais sombrio de um personagem muito mais complexo do que foi retratado nessa película . Com diversos prêmios em sua carreira de 45 anos, incluindo o Oscar (prêmio de cinema dado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas), Globo de Ouro (prêmio de cinema dado pela Associação de Críticos), Tony (prêmio de teatro da Broadway) e o primeiro prêmio Grammy de melhor álbum dado à uma artista mulher, Judy Garland brilhou igualmente no cinema, nos palcos e na TV. Judy, como artista, me lembra Bibi Ferreira, amiga com quem trabalhei, e seria Bibi a Judy brasileira ou Judy a Bibi americana? Ambas se destacaram como ícones do showbusiness por cantarem, dançarem e atuarem, começando crianças e se estabelecendo como mitos na TV, cinema e teatro. Inclusive a filha mais famosa de Judy, Liza Minelli (ganhadora do Oscar em 1972 por “Cabaret”), com o famoso diretor de musicais Vincente Minelli, e brevemente lembrada no filme, certa vez disse que Bibi fazia com que ela se lembrasse de sua mãe sendo “a essência do entretenimento”, quando Bibi se apresentou no Lincoln Center, em Nova York, com muito êxito. Inclusive Liza desaprovou essa cinebiografia. Judy foi alçada à superestrela pelo mundo do espetáculo, mas ao mesmo tempo foi sua grande vítima, no fim um preço caro demais para uma garotinha pagar. Nisso o filme é eficiente, mostra toda pressão que uma estrela mirim tem que se sujeitar para a construção de uma lenda que a própria mal soube aproveitar no auge devido sua tenra idade. Me fez lembrar de Michael Jackson que passou pelo mesmo e ganhou a simpatia de Judy e de Liza, última que inclusive virou sua amiga pessoal. Ou Macaulay Culkin. Todos tiveram destinos trágicos. Até com Shirley Temple, Judy teve que disputar papéis. O filme não faz questão de ser fidedigno à realidade histórica sendo um relato com teor muito mais emocional e sentimental. O chefão do estúdio, da MGM, que explora Judy como um carrasco, chegando a beira do abuso sexual, o alcoolismo, o vício em pílulas e a solidão nos entregam uma Judy Garland neurótica e desequilibrada. Nenhuma novidade pois outras grandes estrelas enfrentaram exatamente o mesmo drama, o próprio Michael Jackson, bem como Edith Piaf, Carmem Miranda, Marilyn Monroe, Elvis Presley, Whitney Houston, Amy Winehouse, Freddie Mercury... também foram vítimas de seus hábitos autodestrutivos, excessos com drogas lícitas e/ou ilícitas, uma carreira bem sucedida, reconhecido talento e superexposição com a fama mundial. Coisas de estrelas. Judy nos apresenta mais do mesmo, nada de original ou de louvável, exceto pela entrega e atuação visceral de Rene Zellweger, no papel principal. Nota-se um belo trabalho de pesquisa e construção de personagem para compor Judy Garland que lhe rendeu, até agora, o Globo de Ouro, o BAFTA e Screen Actors Guild e que a classifica como grande favorita ao Oscar. Caso ganhe será o segundo de sua trajetória profissional. Provando que Rene vai muito além de Briget Jones, personagem que marcou sua carreira para o bem e para o mal. Quanto a esse mérito lembro-me de Beatriz Segall, atriz brasileira de muitas faces, narrando a dor e glória de fazer Odete Roitman, já que por um lado foi seu maior papel mas que por outro insistentemente só era lembrada por ele. E a versatilidade de um ator talvez seja um de seus maiores trunfos. Tanto Judy, quanto sua intérprete Rene, conheceram o melhor e o pior da indústria do entretenimento americano. Após um hiato de seis anos, que a levou praticamente ao ostracismo, Rene retorna triunfante com esse longa, abocanhando prêmios. Não que Rene não tenha tido seus dias, recebeu três indicações para o Oscar em anos seguidos por suas atuações em filmes como “O Diário de Bridget Jones”, “Chicago” e “Cold Mountain”, último pelo qual foi premiada como Melhor Atriz Coadjuvante . Com certa inteligência e tendo consciência das limitações orçamentárias de sua produção, diretor e produtor, taparam buracos justamente com a habilidade dramática de Rene, e esse é de fato o maior feito de “Judy’’. Um filme de ator, como “Coringa”, que promete brilhar dia 09 agora na mais gloriosa noite do cinema, a noite de premiação do Oscar. O filme tenta ir mais a fundo nos mostrando Judy Garland, ou melhor Frances Ethel Gumm, também como mulher, em um conflito eterno entre a artista e o ser humano que tomavam seu tempo de existência. Inclusive como mãe. No longa, financeiramente encalacrada, sem um lar para chamar de seu, a estrela periga perder a guarda de seus dois filhos menores, obrigando-a a aceitar uma série de shows em Londres. Lembrando que naquela época as estrelas de Hollywood não ganhavam as fortunas que ganham hoje e muitas morreram na miséria. Sobre esse filme, seu maior erro é não fazer jus ao legado de uma diva do porte de Judy Garland, o que me faz ressaltar uma fala de sua outra filha Lorna Luft ao “Great Britain Today”: “Eu sinto que se você realmente quer saber sobre minha mãe, vá ver seus filmes, vá ouvir suas gravações e vá assistir seus programas de televisão e é assim que você vai saber sobre ela”. Apoiado!
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